Sócrates
"Sócrates não tem actividade profissional. Desempenha escrupulosamente os seus deveres de cidadão, mas recusa-se a fazer política. Um dia o oráculo, solicitado por um dos seus amigos. designa-o como o mais sábio dos Gregos. Sócrates fica muito surpreendido e faz um inquérito para verificar as palavras do deus. Interrogando poetas, homens políticos e gentes de ofício, apercebe-se de que tinha sobre eles pelo menos uma vantagem: sabe que não sabe nada, enquanto que os outros se instalam numa certeza cómica. A partir de então, compreende a sua tarefa. Denunciar incansavelmente, sejam quais forem os riscos, as incoerências e as tolices que constituem a estrutura da opinião comum. Provocar, em conversas livres e abertas, aqueles que se impõem como mestres do pensamento, desde o 'professor' Górgias ao chefe político Alcibíades e do piedoso Êutifron ao estratega Laquete, a fim de lhes mostrar que quando falam, quando tentam expor as suas ideias, o que fazem é dizer tolices (tomar a palavra pelo significado, o exemplo pela prova, a analogia pela identidade, a inferência vaga pela dedução). Esta ironia destrói assim não só o 'bom senso' democrático (e as pretensões dos sofistas), mas também a antiga educação fundada na poesia. A crítica de Sócrates revela o extremo da crise teórica. Não define nada de positivo, a não ser esse apelo que constitui a denúncia do vazio sobre o qual se construiu toda a ordem ideológica e histórica da democracia ateniense."- François Châtelet, in Grécia e Mito (trad. de Leonor Rocha Vieira), Lisboa, Gradiva, 1988, pp.110-111.
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