Kant sobre a moralidade, o dever e a lei
"Kant, apesar de ter apresentado um sistema ético muito diferente, concorda com Hume na rejeição do eudemonismo. A felicidade, argumenta na Fundamentação, não pode ser o objectivo último da moralidade:
'Suponha-se agora que para um ser dotado de razão e vontade o verdadeiro objectivo da natureza era a sua preservação, o seu bem-estar, ou, numa palavra, a sua felicidade. Nesse caso a natureza teria feito uma péssima opção ao escolher na criatura a razão para levar a cabo um tal objectivo. pois todas as acções que tem de realizar com esse fim em vista e toda a regra do seu comportamento teriam sido muito mais correctamente planeadas pelo instinto; e o fim em causa teria sido mantido muito mais seguramente pelo instinto do que alguma vez o poderá ser pela razão'.
O conceito englobante da moralidade kantiana não é a felicidade, mas o dever. A função da razão na ética não é informar a vontade de como melhor escolher os meios para um fim posterior; é produzir uma vontade que é boa em si mesma, e uma vontade é boa apenas se for motivada pelo dever. A vontade boa, para Kant, é a única coisa que é boa sem qualificações. A fortuna, o poder, a inteligência, a coragem e todas as virtudes tradicionais podem ser usadas para maus fins: mesmo a própria felicidade pode corromper. Não é o que alcança que constitui o bem da boa vontade: a boa vontade é boa apenas em si mesma:
'Mesmo que, por algum azar do destino, ou pelo avarento legado de uma natureza madrasta, esta vontade seja completamente impotente para levar a cabo as suas intenções, se mesmo pelo mais extremo sacrifício nada conseguir, e apenas sobrar a boa vontade (...) esta irá mesmo assim brilhar por si mesma como uma jóia, como algo que tem todo o seu valor em si mesmo'.
A boa vontade é o mais elevado bem e a condição de todos os outros bens, incluindo a felicidade."- Anthony Kenny, Nova História da Filosofia Ocidental. vol. 3, Lisboa, Gradiva, 2011, p.279-280.
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