Francisco Sanches

 "É inato ao homem o querer saber: a poucos é dado o saber querer; a menos ainda o saber. Para mim não abriu a fortuna excepção. Desde o começo de minha vida que eu, dado à contemplação da Natureza, tudo perscrutava sem descanso.

 A princípio, o meu espírito, ávido de saber, contentava-se com qualquer alimento que se lhe oferecia; a breve trecho, porém, se lhe tornou impossível digerir e começou a vomitar tudo o que ingerira. Tratava eu já então de ver com todo o cuidado o que havia de dar-lhe que ele digerisse e assimilasse bem; nada havia que satisfizesse os meus desejos. Passava em revista as afirmações dos passados, sondava o sentir dos vivos; respondiam o mesmo; nada, porém, que me satisfizesse. Algumas sombras de verdade, confesso, me entremostravam alguns; mas não encontrei uma só que com sinceridade e de uma maneira absoluta dissesse o que das coisas deveríamos julgar. Voltei-me então para mim próprio; e pondo tudo em dúvida como se até então nada se tivesse dito, comecei a examinar as próprias coisas: é esse o verdadeiro meio de saber.

 Levava as minhas investigações até aos primeiros princípios. Iniciando aí as minhas reflexões, quanto mais penso, mais duvido; nada posso compreender bem. Desespero. No entanto, persisto. Mais, Consulto os Doutores buscando neles avidamente a verdade. Que respondem? Foi-se cada um deles construindo a ciência com alheias ou próprias fantasias: destas inferiram outras; e destas outras ainda; e assim, nada ponderando bem e afastando-se da realidade arranjaram um labirinto de palavras sem algum fundamento de verdade."- Francisco Sanches, Obra Filosófica, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1999, p.63.

Francisco Sanches, filósofo português, contemporâneo de Descartes, embora mais velho, não surge nas aprendizagens essenciais. Mas deveria surgir. Porque seria interessante uma reflexão sobre o seu cepticismo em contraponto à atitude de Descartes. Num ponto, como se vê pelo excerto, estão de acordo: na desconfiança face aos Antigos. Ambos se encontram irmanados nessa dúvida face a um saber datado e ultrapassado, supostamente, na alvorada da filosofia moderna.

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