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Kant sobre a moralidade, o dever e a lei

 "Kant, apesar de ter apresentado um sistema ético muito diferente, concorda com Hume na rejeição do eudemonismo. A felicidade, argumenta na Fundamentação , não pode ser o objectivo último da moralidade:   'Suponha-se agora que para um ser dotado de razão e vontade o verdadeiro objectivo da natureza era a sua preservação, o seu bem-estar, ou, numa palavra, a sua felicidade. Nesse caso a natureza teria feito uma péssima opção ao escolher na criatura a razão para levar a cabo um tal objectivo. pois todas as acções que tem de realizar com esse fim em vista e toda a regra do seu comportamento teriam sido muito mais correctamente planeadas pelo instinto; e o fim em causa teria sido mantido muito mais seguramente pelo instinto do que alguma vez o poderá ser pela razão'.  O conceito englobante da moralidade kantiana não é a felicidade, mas o dever. A função da razão na ética não é informar a vontade de como melhor escolher os meios para um fim posterior; é produzir uma vont...

Natureza

 "Porventura vos deleita a beleza dos campos? Claro que sim. Com efeito é uma bela parte de uma obra belíssima. Assim nos alegramos por vezes com o aspecto do mar calmo, assim admiramos o céu, os astros, a Lua e o Sol. Será que alguma destas coisas te pertence, será que te atreves a gloriar-te por causa do esplendor de alguma dessas coisas? Será que tu próprios te ornamentas com flores primaveris ou a tua fertilidade dá origem a novos frutos? Porque é que te deixas arrebatar por inanes gáudios, porque abraças como se fossem teus os bens que te são exteriores? Jamais a Fortuna fará teu aquilo que a natureza das coisas fez alheio à tua pessoa. De facto, os frutos das terras são sem dúvida alguma devidos aos seres animados para serem seus alimentos, mas se quiseres prover às necessidades, que é quanto basta à natureza, não há razão para procurares o auxílio da Fortuna. A natureza contenta-se com poucas coisas, de facto, e muito pequenas. Se quiseres sobrecarregar a saciedade desta co...

Tradição

 "A tradição é um indispensável factor de ensino e de conhecimento. Sem a transmissão verbal, de boca a ouvido, nenhuma doutrina moral, política ou religiosa poderia manter a relação da razão individual com o texto escrito. A tradição recebida é que nos habilita a reconhecer a autoridade.  Caracteriza-se a filosofia "moderna" pela acentuada suspicácia quanto à tradição, e tal carácter aparece descrito no Discurso do Método de Descartes. O pensador francês rompeu definitivamente, não com o argumento de autoridade, que é o recurso ao autor em caso de dúvida, mas com o argumento de tradição, garantido apenas pelo magister dixit. Este método, ou preceito, de só aceitar como verdadeiro o que estiver em conformidade com a razão individual, parte do egoísmo para o agnosticismo, negando assim a vida religiosa.  A refutação das tradições recolhidas nos escritos da Antiguidade é seguida de revisão minuciosa do que nos é dito por contemporâneos e antepassados. Perante os contempor...

Viena

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 Hoje deixo aqui uma sugestão, um dos grandes livros do ano passado. Em Viena encontramos algumas figuras nossas conhecidas, figuras que são estudadas ou abordadas ao de leve na disciplina de Filosofia e na de Psicologia. Popper, Wittgenstein, Freud, são alguns dos muitos actores vienenses que contribuíram decisivamente para mudanças culturais significativas no século XX e cujo percurso acompanhamos nas 400 páginas deste ensaio.

Livre-arbítrio e determinismo

 "Mas para que ninguém, com base no que dissemos, julgue que afirmamos que os acontecimentos decorrem segundo a necessidade do destino, em virtude de termos falado de factos conhecidos de antemão, resolveremos também essa dificuldade. As penas, os castigos e as recompensas são dadas a cada um conforme o mérito das suas acções; aprendemos isto dos profetas e mostraremos que é verdade. De facto, se não fosse assim, mas tudo sucedesse por força do destino, então absolutamente nada dependeria de nós. Se, na verdade, é o destino que faz com que este seja bom e aquele mau, nem o primeiro é aceitável nem o segundo reprovável. Por outro lado, de o género humano não tem poder, pelo livre-arbítrio, para evitar o mal e preferir o bem, não pode considerar-se responsável por nenhuma das suas acções. Mas eis como demonstraremos que o homem se comporta de modo justo ou errado por escolha livre (...). Efectivamente, vemos que o mesmo homem passa de um comportamento ao oposto. Ora, se o que é mau ...

Ensaios

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  Uma sugestão natalícia pode também ser esta obra, uma das fundamentais da história da filosofia. Trata-se dos Ensaios , de Michel de Montaigne. Saiu agora o terceiro e último volume. Trata-se de um verdadeiro acontecimento editorial, na medida em que, até agora, não existia nenhuma edição completa dos Ensaios no mercado editorial nacional. Pode sempre ser acompanhado com a leitura de Michel Eyquem, Senhor de Montaigne, do nosso muito português Agostinho da Silva.

Ensaios Sobre a Virtude e a Felicidade

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  Agora que se aproxima o Natal, aqui fica uma sugestão de leitura. Foi livro deste ano de 2024 para os críticos do Expresso, o que pode não querer dizer muito a alguns, mas sensibilizará uns quantos. Filosofia setecentista, de um autor que até à data pouco estava publicado em Portugal (a excepção era um pequeno volume de textos escolhidos, editado há uns anos).